domingo, janeiro 13, 2008

Vida Privada no Brasil- Relações de Trabalho.

Todos "melhoram de vida".

Pais e mães ficam orgulhosos com seus filhos "formados", médicos, dentistas, engenheiros, jornalistas, advogados, economistas, administradores de empresa, publicitários etc.

São incontáveis as mulheres, antes mergulhadas na extrema pobreza do campo, que se tornaram empregadas domésticas, caixas, manicures, cabeleireiras, enfermeiras, balconistas, atendentes, operárias.
Incontáveis são também os homens que se converteram em porteiros, vigias, garçons, manobristas de estacionamento, mecânicos, motoristas de táxi.

O pai, a mãe, a educação dos filhos perseguem tenaz e sistematicamente a subida de renda e a elevação na hierarquia capitalista do trabalho.
O meio é a iniciativa individual exercida no duro mundo da concorrência.

A grande empresa privada passou a exigir um novo padrão de direção e de gestão, mais racionalizado, mais profissionalizado.
Com isso, firma-se de vez a valorização do engenheiro que desponta como símbolo da civilização urbano-industrial, em oposição ao bacharel.
E surgem as figuras do administrador de empresas- especializado em produção, em marketing, em finanças, em organização & métodos, etc, do economista, do atuário.
As diretorias, gerências e chefias vão se especializando, se multiplicando.
E vai aparecendo o profissional da publicidade, também no mais puro molde americano, junto com a escola de propaganda.

A passagem organiza-se pelo acesso aos direitos trabalhistas, garantidos pela legislação basicamente no primeiro governo de Getúlio Vargas: a jornada de 8 horas, férias remuneradas, proteção ao trabalho da mulher ou do menor, lei de acidenes do trabalho, indenização por dispensa, salário mínimo, auxílio-maternidade, criação da Justiça do Trabalho, etc.

Pela casa podemos reconhecer, imediatamente, de que classe social faz parte a família. Tem empregada doméstica? Quantas? Cozinheira, arrumadeira, babá, ou só uma, para todos os serviços? Olhemos o que há para comer. Arroz, feijão, farinha e macarrão? Ou há também carne, leite, ovos, queijos, presunto, legumes, maçãs, peras, morangos? E os móveis, como são? No banheiro, há cosméticos? Tem automóvel ou não? Tem telefone? Tem televisão? Tem máquina de lavar roupa? Tem liquidificador? Tem enceradeira? E os brinquedos do filho? A bola é de meia, de borracha ou de couro?
Quantas vezes a família vai ao cinema? E ao restaurante? E nas férias, para onde vão? Para uma casa de praia, para a casa da família, para a fazenda de amigos, para um hotel? Vão de avião?

Aliás, a via principal de transmissão do valor do progresso foi sempre, entre nós, a da imitação dos padrões de consumo e dos estilos de vida reinantes nos países desenvolvidos.

Quanto à educação, ela, aqui, não foi sempre encarada como um meio de ascensão social?
O postulado de que cada indivíduo é capaz de ação racional, de calcular vantagens e desvantagens ajustadas à realização de seus interesses materiais ou de seus desejos, isto é, o hommo economicus utilitário;
o pressuposto de que a concorrência entre indivíduos formalmente livres e iguais acaba premiando cada um segundo seus méritos e dons;
o princípio de que o jogo dos interesses individuais leva à harmonia social e ao progresso sem limites, isto é, de que o mercado é o estruturador da sociedade e o motor da história-
podem se impor graças à sua funcionalidade para o desenvolvimento do sistema econômico.


Houve, por outro lado, uma extraordinária massificação de certas profissões que eram, anteriormente, de qualificação média.
A massificação nos serviços e nos trabalhos de escritório, dando lugar ao nascimento de uma nova camada de trabalhadores comuns.
A ampliação do ensino fundamental, mesmo nas condições em que foi feita, criou uma oferta abundante de mão-de-obra apta a exercer postos de trabalho que praticamente só requeriam ler e escrever, e que se ampliavam rapidamente: balconistas, caixas de supermercado, datilógrafos, office-boys, telefonistas, caixas de banco.

Mesmo com salários baixos, o grosso dos trabalhadores comuns pôde se incorporar, ainda que mais ou menos precariamente, aos padrões de consumo moderno.

Mas existe ainda outra segmentação.
A gorjeta da manicure de rico é uma, a de pobre, se existir, é outra. Uma coisa é ser empregada doméstica de um alto executivo, outra a faxineira de um casal formado por um analista contábil júnior e uma secretparia também júnior.

Na grande empresa, e mesmo na média, as elevadíssimas margens de lucro abriram caminho, ainda, para uma espantosa elevação das remunerações das funções de direção, exercidas por executivos, gerentes, chefes, assessores bem situados. Diretores financeiros, comerciais, de recursos humanos, de vendas, de compras, de marketing, etc... Gerentes de produção, de crédito e cobrança, de organização, de loja, de tesouraria, de treinamento, de pesquisa de mercado, de contabilidade, de manutenção geral, etc.

A todos estes grupos dominantes, há que acrescentar os que estão alojados na cúpula do Estado: juízes, promotores, delegados, ministros, políticos, etc.

Desfrutando do gasto da elite, defrontamo-nos com uma camada de profissionais que prestam serviço, com grande proveito financeiro, ao corpo estressado e à alma atormentada dos endinheirados e de suas famílias: psicanalistas, psicólogos, astrólogos, fonaudiólogos, acumpuntores, pilotos de helicóptero, cardiologistas, prostitutas de luxo, cirurgiões plásticos, videntes, parapsicólogos, proprietários de prósperas academias de ginástica, de dança, de natação, donos de colégios ou universidade particulares, ou de cursos de línguas, especialmente a inglesa, esteticistas, massagistas, decoradores, dermatologistas, etc.

A americanização da publicidade brasileira tem um papel fundamental na difusão dos padrões de consumo moderno e dos novos estilos de vida. Destrói rapidamente o valor da vida sóbria e sem ostentação.

A nova classe média está, em geral, plenamente integrada nos padrões de consumo de massas, de alimentação, vestuário, higiene pessoal e beleza, higiene doméstica. O padrão de vida dessa nova classe média beneficia-se muito dos serviços baratos.
No Brasil, a empregada doméstica, o churrasco-rodízio ou a pizza são baratos porque o churrasqueiro e o pizzaiolo ganham pouco, o salão de beleza é barato porque a cabeleireira e a manicure ganham pouco, etc.
Esse tipo de exploração dos serviços reduz seu custo de vida e torna o dia-a-dia mais confortável que o da classe média dos países desenvolvidos.
A renda dos serviçais é contraditória com o nível de vida relativamente alto dos remediados.

O Brasil, que já chocou as nações civilizadas ao manter a escravidão até finais do século XX, volta a assombrar a consciência moderna ao exibir uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Todos dos países desenvolvidos haviam sentido na carne os efeitos do capitalismo sem freios, descontrolado: as duas guerras mundias, a crise de 29, os horrores do nazi-fascismo. E existia ainda a competição entre o capitalismo e o "socialismo real". Formou-se então um consenso fundamental, que abrangia conservadores, comunistas, socialistas, trabalhistas: era necessário domesticar o capitalismo, neutralizar seus efeitos destrutivos.

Nos anos 90, o desemprego nas áreas metropolitanas cresceu assustadoramente.
Multiplica-se o número de camelôs, de vendedores ou pedintes situados nas esquinas das ruas mais movimentadas, do "trabalho" associado à distribuição de droga e o crime organizado.

Em contrapartida, assistimos à crescente imobilização do Estado, dilapidado pelas altas taxas de juros, afogado em dívidas contraídas para pagar outras dívidas, incapaz de levar adiante políticas de desenvolvimento ou políticas sociais.

A política tranforma-se também num negócio. As eleições tranformam-se num espetáculo de TV, comandados por marqueteiros sempre competentes em "mobilizar emoções",
nos meios de comunicação de massa protegidos por essa quase ficção que é, entre nós, a liberdade de informação.

Como não há justiça eficaz nem instituições sociais bem estruturadas, as pendências pessoais e os dramas pessoais são expostos e "resolvidos" na TV, nos programas "mundo cão",

Como não há alegria verdadeira é preciso fabricá-la, mesmo que seja às custas da "dança da garrafa", da "dança da bundinha", ou da "dança da manivela". Ou o uso do sentimentalismo fácil para criar emoções e a degradação do gosto musical.

A competição exarcebada, selvagem, transforma a violência num recurso cotidiano. Ela se manifesta no trânsito infernal das nossas grandes cidades poluídas, servas do automóvel, atravessa as relações de trabalho, permeia as carreiras, deforma a vida familiar,

A revalorização dos casamentos ou das uniões estáveis se fundou predominantemente num comportamento adaptativo, guiado pelo medo do sofrimento e aversão ao risco. Os brasileiros parecem não ousar querer o risco. Querem apenas não passar privação.

Os pais pouco definem seus papéis de educadores, percemem-no mais do que nada como "provedores", quer seja do conorto material como de afeto.

Durante um período relativamente longo, o presente tinha sido melhor do que o passado, e o futuro, melhor do que o presente.
Mas, progressivamente, a idéia de um melhor futuro individual vai se esfumando.
Isso se percebe facilmente na substituição da figura do cidadão pela do contribuinte e, especialmente, pela do consumidor.

Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna- José Manuel Cardoso Mello e Fernando A. Novais.
História da Vida Privada no Brasil.