terça-feira, janeiro 29, 2008

História da Vida Privada- Ajustamento e Modelagem.

Pelo menos ao longo dos dois primeiros terços do século, a prolixidade do discurso acadêmico sobre a histeria, a hipocondria e o perigo das paixões,
a convicção de que há um estreito vínculo entre o físico e o moral do homem,
estimulam a medicina da alma.

A proximidade do louco alimenta a ansiedade do grupo.

É certo que os pasteurianos continuam a analisar a ameaça mórbida em termos de meio ambiente e não de relações sociais, mas as novas teorias não são menos carregadas de conseqüências.
Provocam uma ação sanitária e social que implica novas táticas de vigilância.
A necessidade de prevenção, a obrigação de arrancar os contagiados de sua família e supervisionar a aplicação de medidas profiláticas estimulam uma interferência que tende a impor processos de ajuste mais vastos e sistemáticos que os até então resultantes de um foco de infecção.

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São intermináveis as narrativas dos mal-estares de seus pacientes.
A escuta torna-se uma especialidade.
Este método, baseado no exame cara a cara, na anotação de palavras pronunciadas e na detecção dos antecedentes, apresenta-se antes de mais nada como uma busca de vestígios.

Associados à instauração, ainda recentíssima, da escolarização obrigatória, os processos de mensuração da inteligência, irão interferir na vida pessoal de muitas crianças.

Professores e pais empenham-se em acuar a indolência, proscrever a postura lânguida que revela a ociosidade. Chegou a hora da vivacidade dinâmica.

O código gestual das boas maneiras, as atitudes impostas ao aluno, ao interno, ao soldado, ao prisioneiro, as posturas do repouso ou da simples distensão, essa história das correções e da emancipação do corpo tem um grande impacto na vida privada.

Igualmente estimulado pelas teorias darwinianas e pela ameaça alemã, o esporte age sobre os comportamentos: favorece e ao mesmo tempo atesta o self-government do indivíduo, é dominado pela perseguição do resultado, que exalta o campeão.

A visão passa a não ser tanto a de corrigir, exercitar, ou mesmo curar, mas de usufruir do bem-estar, da expansão da busca por experimentar melhor um corpo que deixa de ser percebido enquanto exterior à pessoa.

A cenestesia já não é dominada pela escuta das disfunções, mostra-se também atenta à percepção do bem-estar e dos prazeres.

Bastidores- Alain Courbin.
História da Vida Privada- Da Revolução Francesa à Primeira Guerra.