A arte de pensar sem riscos.
Não fossem os caminhos da emoção que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir.
Não se convidam amigos para o jogo por causa da cerimônia que se tem em pensar.
O melhor modo é convidar apenas para uma visita, e, como quem não quer nada, pensa-se junto, no disfarçado das palavras.
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Nossos defeitos também servem de muletas, não só as nossas qualidades.
Dizia Thoreau: "A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos." É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas.
A culpa? O erro, o pecado. Então o mundo passa a não ter refúgio possível.
Aonde se vá e carrega-se a cruz pesada, de que não se pode falar.
Se se falar- ela não será compreendida.
Alguns dirão- "mas todo o mundo..." como forma de consolo.
Outros negarão simplesmente que houve culpa.
E os que entenderem abaixarão a cabeça também culpada.
O que é que uma pessoa diz a outra? Fora "como vai"?
Se desse a loucura da franqueza, o que diriam as pessoas às outras?
O pior de mentir é que cria falsa verdade. Se a mentira fosse apenas a negação da verdade, então este seria um dos modos, por negação, de provar a verdade. Mas a pior mentira é a mentira criadora.
Depois de descobrir em mim mesma como é que se pensa, fazendo comigo mesma negociatas, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros.
Mas é que os erros das pessoas inteligentes é tão mais grave: elas têm os argumentos que provam.
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Basta olhar numa boate à meia luz os outros: a busca do prazer que não vem sozinho e de si mesmo.
A busca do prazer me tem sido água ruim: colo a boca e sinto a bica enferrujada, escorrem dois pingos de água morna: é a água seca.
Esta paciência eu tive: a de suportar, sem nem ao menos o consolo de uma promessa de realização, o grande incômodo da desordem.
Mas também é verdade que a ordem constrange.
O que me impede?
Às vezes é o horror de se tocar numa palavra que desencadeia milhares de outras, não desejadas, estas.
Não se faz uma frase. A frase nasce.
Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende ao menos que se escreva.
Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimeno que permaneceria apenas vago e sufocador.
Escrever é um modo de não mentir o sentimento.
O que me consola é a frase do Fernando Pessoa que li citada: "Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos".
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Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.
Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.
Sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando.
É porque eu sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder.
É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria- e não o que é.
Aprendendo a Viver- Clarice Lispector.