Visão.
O olhar consiste mais na faculdade de estabelecer relações no que na de colher imagens. Como escreveu Merleau-Ponty no ensaio "O cinema e a nova psicologia", "o sentido depende daquelas que a precedem, e sua sucessão cria uma realidade nova que não é a simples soma dos elementos empregados".
Assim, a especifidade da visão é que sua dimensão subjetiva- se eu fechar os olhos, o mundo desaparecerá- tende a se negar, a se esquecer como dimensão subjetiva.
Na realidade, nosso mundo não é constituído por conteúdos, mas sim por formas, fisionomias, qualidades afetivas, isto é, significações.
Ver não é apoderar-se, mas aproximar-se.
"Ver é sempre ver mais do que se ver": na medida em que a visão é aproximação ou exploração, ou seja, antecipação, ela já vê, de certa forma, aquilo que ela ainda não está vendo.
Nossa relação com o visível é caracterizada por uma insatisfação irredutível.
Ora, sabemos que a visão constitui o laço vivo entre nós e o mundo, entre nós e os outros, e, por isso, o olhar tem a capacidade de pôr em questão toda a realidade.
Ou ainda, como escreve Sartre, em O Ser e o Nada, ao falar da intersubjetividade e da construção do próprio ser: sou possuído pelo olhar do outro: o olhar do outro estrutura o meu corpo, o faz nascer, o esculpe, o produz como ele é, o vê como jamais verei. O outro detém o segredo daquilo que sou.
O Invisível da Visão- Renaud Barbaras.
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Imagens.
Se um lugar for indicado de um lado por uma imagem e de outro por uma descrição, qual indicação será mais apreciada pelo visitante: a imagem ou a descrição?"
Pretendendo representar o real sem nuances, sem julgamentos, pondo o possível e o real no mesmo plano, a imagem dá esse sentimento de realidade que a linguagem não dá.
Os mais belos discursos, eles sim, podem ser sempre contraditos, as mais finas argumentações podem ser refutadas. Mas não podem nada contra a prova (real ou aparente) apresentada por uma imagem, que está sempre no indicativo.
As imagens dão novamente vida aos mortos (está aí seu poder), isso porque a vida dos mortos é a vida das imagens (aí está a ilusão).
A ilusão que permite a criança considerar seu boneco coisa diferente de um pedaço de pano e de tratá-lo como uma verdadeira pessoa- com a diferença de que a criança sabe que está brincando, que está fingindo.
A ilusão criada pelas imagens é a ilusão dos fantasmas ou do ícone.
Ela não consiste de forma alguma em atribuir às imagens aquilo que se atribui à própria realidade.
É até exatamente o contrário: ela consiste em atribuir à própria realidade o poder das imagens, o poder de representar.
Não pretendemos mais, ao pintar os deuses, que eles próprios se tornem visíveis, em pessoa, mas continuamos pretendendo, ao filmar o mundo, que ele se torne visível em carne e osso.
A grande mistificação é essa do "ao vivo": Ver as coisas enquanto acontecem nos dá a impressão de ler o mundo como um livro aberto.
Será que pelo menos imaginamos, quando vemos um acontecimento "ao vivo", que as pessoas que vemos vêem câmaras, jornalistas, equipes de repórteres, etc.?
Será que ao menos imaginamos que elas fazem parte do acontecimento e que, além disso, certos acontecimentos, cada vez mais, ocorrem apenas para serem filmados, reproduzidos, mostrados?
Esta é a ilusão moderna por excelência: não é que vejamos apenas imagens, é que não separamos mais as imagens como tais.
Por Trás do Espetáculo: O Poder das Imagens.- Francis Wolff
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Muito Além do Espetáculo- Adauto Novaes (organizador).