A participação de membros da classe média intelectualizada no conjunto das oposições foi, de todo modo, significativa. 4214 pessoas foram processadas durante o regime militar. Das 3698 cuja ocupação é conhecida, 906- praticamente uma em cada quatro, eram estudantes. (...)
Além disso, esse grupo deixou uma herança cultural rica e ainda viva no país.
Nesse ambiente, fazer oposição podia significar uma infinidade de coisas.
De fato, as formas de organização e o grau de envolvimento na atividade de resistência variava desde ações espontâneas e ocasionais de solidariedade a um perseguido pela repressão até o engajamento em tempo integral da militância clandestina dos grupos armados.
Assinalar manifestos, participar de assembléias e de manifestações públicas, dar conferências, escrever artigos, criar músicas, romances, filmes, peças de teatro, distribuir panfletos, fazer chegar à imprensa denúncias de tortura e assim por diante.
Testar os limites da ação permitida torna-se uma rotina comum: o que se pode escrever em uma coluna de jornal, o que se pode compor e cantar, o que se pode encenar ou ensinar sem atrair represálias pessoais, que grau de repressão enfrentará o protesto público.
De um lado, a rejeição da ordem ditatorial, o horror da tortura, o desconforto persistente com o cotidiano, o distanciamento com a maioria integrada à normalidade, cantando: "Eu te amo meu Brasil, eu te amo".
De outro lado, a proliferação de novas profissões e atividades bem remuneradas para quem tivesse o mínimo de formação, abrindo as portas à efetiva possibilidade de acesso a posições confortáveis na sociedade aquisitiva em formação.
Comprar Tv em cores, deixar a preto-e-branco para a empregada.
Os meios de comunicação de massa no Brasil passaram por profundas transformações. Em nenhum outro período a mídia modernizou-se tanto e tão rapidamente.
No jornalismo, falava-se muito em crítica "construtiva" e liberdade "com responsabilidade", duas estupendas amostras da sintaxe dos militares e escribas a eles fiéis.
A informação politicamente significativa saía, quando saía, desvitalizada, carregada de irrelevâncias, ironias e efeitos formais. O ceticismo cultivado com elegância comprazia-se especialmente em alfinetar o pensamento de esquerda.
No começo da década de 70, nas mesmas escolas e bares onde poucos anos antes de previa o fim da ditadura para breve e, quem sabe, a revolução para logo depois, falava-se baixo, olhando de lado, sobre prisões, torturas, desaparecimentos.
A prisão pois, era um acontecimento ao mesmo tempo previsto e surpreendente, uma ameaça incrustrada no cotidiano de cada um. O preço ficava incomunicável e totalmente a mercê dos captores. Na melhor das hipóteses, sairia de lá sem queimaduras, os dentes e as unhas no lugar, mas com a memória escalavrada pelas súplicas, urros e insultos que atravessavam grades e paredes.
Segundo Renato Tapajós: "Havia os que achavam que a prisão era a continuidade, sem mudança, do mesmo confronto que havia lá fora e que, portanto, cabia aos presos gerar constantes fatos políticos para intensificar o atrito com as forças de repressão.
Havia os que pensavam que a prisão mudava as condições de luta e que devíamos evitar o confronto e aproveitar a situação para estudar, planejar, refletir.
E havia os que pensavam que ali era o fim da linha e que não havia mais nada a fazer, senão ficar quieto, esperando o momento de voltar à rua".
Naturalmente, a prisão de mães, maridos, mulheres, irmãos, irmãs, filhos ou filhas tranformava a vida diária em pesadelo. Não foram raros os casos em que serviços de segurança tratavam de quebrar o silêncio dos militantes mais teimosos tomando coo refém, ameaçando ou até torturando um parente seu.
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Entre os estudantes, a política se entrelaçava com as relações amorosas, ajudando a racionalizar atrações e rejeições, e a justificar tanto os comportamentos ditos tradicionais quanto sua transgressão.
Boa parte dos jovens que entraram na universidade a partir do final dos anos 50 teve de se confrontar na pele e na alma com a questão da fidelidade e do sexo antes do casamento, em suma, o "amor livre", para usar uma expressçao que já então começava a virar clichê. Os questionamentos do desdenhosamente chamado "casamento burguês", tudo como supra-sumo da hipocrisia e da desigualdade de oportunidades eróticas entre os sexos.
As novas formas de conceber as relações amorosas, a vida em comum com a pessoa querida e a família que daí talvez resultasse estavam encharcadas de tensões, conflitos e ambigüidades.
A busca da verdade pessoal, por meio da psicanálise e das drogas, ou no extremo, da vida em comunidades alternativas, podia ter uma conotação de ter uma vida antiautoritária. Como num depoimento do livro de Gilberto Velho:
- Tudo muito moralista, castrador. Para mim, não há diferença entre um coronel de direita e um coronel de esquerda. A intolerância e o autoritarismo são os mesmos. O que vale pra mim atualmente e a tua liberdade individual assumida, vivenciada corajosamente. É preciso ter coragem para assumir a vida da gente, sem tutelas políticas. O momento de verdade em que você está sozinho diante de você mesmo, é esse momento de que as pessoas têm medo e se protegem com capas- comunista, fascista, marxista, liberal, sei lá.
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O cotidiano da oposição de classe média ao regime militar- Maria Herminia Tavares de Almeida e Luiz Weis.
História da Vida Privada no Brasil.