O amor faz uma cócega.
O amor desenha uma curva, propõe uma geometria.
Vejo corpos, vejo almas, vejo beijos que se beijam.
ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa.
.......
O medo que estereliza os abraços.
A alma cativa e obcecada enrola-se indefinidamente numa espiral de desejo e melancolia.
Infinita, infinitamente...
Tu sabes como é grande o mundo.
Conhece os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens, as diferentes dores dos homens,
sabe como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem...
sem que ele estale.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
Por isso me grito,
Por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Também a vida é sem importância.
A vida é tênue, tênue.
ficou o gosto de leite?
ficará o gosto de álcool?
A noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas, vitrolas,
anúncios do melhor sabão.
barulho que ninguém sabe, de quê, praquê.
O edifício é sólido e o mundo também.
Sabemos que cada edifício abriga mil corpos labutando em mil compartimentos iguais.
O mundo é mesmo de cimento armado.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletrecidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
É o jornal sujo embrulhando fatos, homens e comida guardada.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distriubuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade- Sentimentos do Mundo.