Para captar o sentido atual das transformações, é preciso pegar ainda mais fundo: o da mudança das sensibilidades que provocou o fenômeno atual da corrosão das intimidades.
De cento e poucos anos para cá estamos assistindo a um processo cultural interessante: o cinema, quando surgiu, ocupou o espaço das festas e quermesses populares, condensando numa tela o universo possível do prazer e do sonho.
Em meados dos anos 50, a televisão recolheu as pessoas das ruas e levou esse mesmo cinema para dentro das casas, acrescentando informação, esporte, humor etc.
Hoje a internet avança mais nesse trabalho, trazendo bancos, bibliotecas, órgãos públicos, todo um universo para o interior dos domicílios.
Algo está se passando: o mundo, a vida, está deixando as ruas e se condensando cada vez mais nas telas.
A realidade externa está evaporando.
Mas acontece ainda outro fenômeno. As pessoas não desejam mais tanto ver, como no voyeurismo; hoje elas precisam mais ser vistas.
A fantasia de ser o objeto do sonho de outra pessoa é bem mais forte.
A tragédia do mundo atual é não ser observado.
Homens e mulheres necessitam mais do que nunca do olhar da câmera para provar sua existência.
O íntimo outrora era o segredo de cada um, seu ‘tesouro’.
Havia boa demanda para isso, as pessoas se marcavam pelo seu mistério. Era a alma do romantismo.
Hoje, com a massificação e a impessoalização, terminou a demanda do íntimo, seu preço de mercado despencou. As pessoas entregam-no facilmente.
Diários íntimos multiplicam-se na internet, pessoas expõem seus pensamentos mais interiores, seus sentimentos mais escondidos.
É a era da TV ‘trash’, em que platéias deliram com confidências escandalosas, com criminosos detalhando seus crimes hediondos, com revelações inacreditáveis da vida privada. E na fila há mais 4.000 ou 5.000 pessoas, a cada semana, esperando a sua vez de falar.
Sobre os Reality Shows (publicado no Observátório da Imprensa).