A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.
Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio;
é um poder modesto, desconfiado, que funciona a partir de uma economia calculada, mas permanente.
O momento em que passamos de mecanismos histórico-rituais de formação da individualidade
à mecanismos científico-disciplinares,
em que o normal tomou o lugar do ancestral, e a medida o lugar do status,
substituindo assim a individualidade do homem memorável pela do homem calculável,
esse momento em que as ciências do homem se tornaram possíveis,
é aquele em que foram postas em funcionamento uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia política do corpo.
O indivíduo é, sem dúvida,
o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade;
mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder
que se chama “disciplina”.
Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos:
ele “exclui”, “reprime”, “mascara”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “esconde”.
Na verdade, o poder produz, ele produz a realidade;
produz campos de objetos e rituais da verdade.
O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção.
Vigiar e Punir- Michel Foucault.