sexta-feira, junho 08, 2007

Potencialidades x Anestesia... (Quem são eles?)

O sofrimento, a frustração, a impotência do indivíduo, derivam de um sistema funcionando com alta produtividade e eficiência, no qual ele aufere de uma existência em nível melhor do que nunca.
A responsabilidade pela organização de sua vida no todo, no "sistema", a soma total das instituições que determinam, satisfazem e controlam sua necessidades.
O impulso agressivo mergulha no vácuo- melhor, o ódio encontra-se com sorridentes colegas, atarefados concorrentes, funcionários obedientes, prestimosos trabalhadores sociais, que estão todos cumprindo seus deveres e são todos vítimas inocentes.

O ego experimenta o ser como "provocação", como "projeto",
experimenta cada estado existencial como uma restrição que tem de ser superada,
transformada noutra.
O ego torna-se precondicionado para dominar a ação e a produtividade, mesmo antes de qualquer ocasião específica exigir tal atitude.

Na medida em que a Psicologia rasga o véu ideológico e descreve a construção da personalidade, é levada a dissolver o indivíduo:
sua personalidade autônoma surge-nos como a manifestação congelada da repressão geral da humanidade.
A autoconsciência e a razão, que conquistaram e deram forma ao mundo histórico, fizeram-no à imagem e semelhança da repressão, interna e externa.

O controle básico do tempo de ócio é realizado pela própria duração do tempo de trabalho,
pela rotina fatigante e mecânica do trabalho alienado,
o que requer que o lazer seja um relaxamento passivo e uma recuperação de energias para o trabalho.
Só quando se atingiu o mais recente estágio da civilização industrial, quando o crescimento de produtividade ameaça superar os limites fixados pela dominação repressiva,
a técnica de manipulação das massas criou então uma indústria de entretenimentos, a qual controla diretamente o tempo de lazer. Não se pode deixar o indivíduo sozinho, entregue à si próprio.

A mecânica da linha de montagem, a rotina do escritório, o ritual da compra e venda estão livres de qualquer relação com as potencialidades humanas.
As relações de trabalho converteram-se, em grande parte, em relações entre pessoas como objetos permutáveis.
Certo, a concorrência ainda predominante requer um certo grau de espontaneidade e individualidade; mas essas características tornaram-se tão superficiais e ilusõrias quanto a concorrência a que pertencem.

Sob essa ilusória superfície,
todo o mundo de trabalho e seua recreação se tornou um sistema de coisas animadas e inanimadas- todas igualmente sujeitas à administração.
A existência humana nesse mundo é mero recheio, matéria, substância, que não possui em si mesma o princípio de seu movimento.

Com o declínio da consciência, com o controle da informação, com a absorção do indivíduo na comunicação em massa,
o conhecimento é administrado e condicionado.
O indivíduo não sabe realmente o que se passa; a máquina esmagadora de educação e entretenimento une-o a todos os outros indivíduos, num estado de anestesia do qual todas as idéias nocivas tendem a ser excluídas.
E como o conhecimento da verdade completa dificilmente conduz à felicidade, essa anestesia geral torna os indivíduos felizes.

A eliminação das potencialidades humanas do mundo de trabalho cria as precondições para a eliminação do trabalho do mundo das potencialidades humanas.

Marcuse- Eros e Civilização.