Os princípios mercadológicos vem contaminando as teorias, formalizando basicamente o conhecimento como meio de atingimento de fins econômicos.
Considerar o conhecimento como mediação de cidadania, em seu sentido mais abstrato, significa compreender que uma das condições do exercício da liberdade é o acesso à informação qualitativamente relevante e quantitativamente suficiente, bem como, à educação que permita interpretar adequadamente tais informações.
Por sua vez o ensino universitário deve educar o aluno para a atividade da pesquisa, recuperar os conteúdos historicamente elaborados e realizar os treinamentos requeridos que permitam a cada educando não apenas exercer uma atividade profissional ou científica competente na área de sua formação, mas também um exercício crítico sobre as dimensões estéticas, éticas, políticas, econômicas e culturais que condicionam seus exercícios de liberdade, gerando interpretantes semióticos intelectuais, energéticos e afetivos adequados à construção de uma sociedade democrática e solidária.
Neste debate é perceptível que, sob os auspícios das reformas neoliberais, a autonomia da universidade pública vem sendo perdida, uma vez que em razão da falta de recursos que garantam a sua independência, ela vem assumindo tais parcerias com empresas privadas, colocando-se na função pragmática de formar capital humano ou de desenvolver conhecimentos que se configurarão em propriedade privada das empresas capitalistas que financiam as pesquisas.
De fato, a digitalização do conhecimento não apenas tem permitido a redução do emprego de trabalhadores na produção de um mesmo volume de mercadorias, como também possibilitou a organização de poderosos bancos de dados facilmente pesquisáveis, liberando a atividade teórica para o exercício criativo sobre dados facilmente recuperáveis e comunicáveis. Os novos meios de comunicação, como a Internet, não somente ampliaram o acesso à informação como aumentaram a velocidade de sua circulação, permitindo a constituição de comunidades de pesquisadores sobre os temas mais diversos. Listas de discussão, conferências virtuais e outros expedientes permitem um intercâmbio cotidiano e instantâneo de informações entre pessoas que estejam em qualquer parte do planeta. Freqüentemente, muitos pesquisadores mantém um contato muito mais intenso com parceiros de outros países do que com colegas do mesmo setor na universidade. Por outra parte o aprimoramento de programas de tradução e a proliferação de sites educativos permite que estudantes tenham acesso a textos elaborados sobre os diversos conteúdos de sua formação acadêmica e que muitos blocos de textos sejam diretamente transportados de sites e enciclopédias eletrônicas a trabalhos escolares sem a adequada investigação, análise e síntese.
Assim, um dos grandes desafios da educação e da universidade está em ensinar o educando a localizar, interpretar e reagir às informações disponibilizadas em inúmeros bancos de dados através de múltiplos canais de acesso, desenvolvendo o aprendizado da pesquisa, da capacidade analítica, interpretativa e criativa, da habilidade em problematizar os objetos de investigação, construir sínteses de elementos relevantes aos propósitos almejados, posicionar-se eticamente frente aos conflitos humanos, comunicar o conhecimento elaborado e transformar suas próprias ações com base nos graus de criticidade e sensibilidade alcançados.
A universidade pública, gratuita e autônoma é um patrimônio imprescindível para a promoção da liberdade e como tal deve ser preservada. Diferentemente de se tornar um mero instrumento de lucro para iniciativa privada, as universidades precisam manter-se como espaço de produção, reprodução e socialização do conhecimento que, interferindo nos processos econômicos, políticos e culturais em curso em nossa sociedade, colaborem com a ampliação do exercício da cidadania e com a construção e avanço de um projeto de desenvolvimento nacional voltado à promoção das liberdades públicas e privadas, enfrentando, desse modo, as diversas formas de exclusão que se aprofundam em nosso país.
A Universidade em Questão -o conhecimento como mediação da cidadania e como instrumento do capital.
Euclides André Mance