O debate envolvendo a questão do ensino superior como bem público (bem coletivo) ou como bem privado (individual) parece ser bastante recente, embora possa ter raízes econômicas e políticas antigas, difusas ou não, contemporâneas da formação do Estado liberal, e presentes em obras como a Riqueza das nações, de Adam Smith.
Nesse texto, além de enfatizar - como Hobbes já o fazia em O Leviatã - a competitividade entre homens, organizações e instituições de toda a natureza, inclusive as educacionais, como princípio fundamental do progresso, Adam Smith afirma, de modo bastante ambíguo, que, se não houvessem instituições públicas destinadas à educação, só seria ensinado o que fosse imediatamente útil.
Sem pretender maior precisão, pode-se indicar que esse debate, no que concerne especificamente ao ensino superior,tem início mais evidente na década de 1980.
Em documento de 1986, intitulado Financing education in developing countries - An exploration of policy options (WB, 1986), o Banco Mundial defende de forma exaustiva a famosa tese do maior retorno social e individual dos investimentos em educação básica que o dos investimentos em educação superior.
"Evidências demonstram que as pessoas estão dispostas a pagar pela educação. Na África, o retorno privado assegurado pela educação superior tem sido tão alto que, mesmo após a redução do crédito educativo ou a imposição de taxas, a educação superior ainda continuará sendo um atrativo para investimentos pessoais. (WB, 1986, p. 17)"
"O ensino superior responde a muitas das condições identificadas por Barr como características de um bem privado, que se pode subordinar às forças do mercado. Em primeiro lugar, o ensino superior não pode ser tratado como um bem estritamente público. Isso se deve a suas condições de competitividade (oferta limitada), excluibilidade (seguidamente se pode obtê-lo mediante pagamento) e recusa (não é requerido por todos), todas características que não respondem às de um bem estritamente público, mas sim às de um bem privado. Em segundo lugar, os consumidores do ensino superior estão razoavelmente bem informados e os provedores freqüentemente estão mal informados - condições ideais para o funcionamento das forças do mercado. (WB, 1998, p. 5)"
Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, a respeito do conhecimento como bem público global, escreve em caráter pessoal (como afirma) em 1999:
"Sem dúvida, para adquirir e usar conhecimento, os indivíduos podem ter que efetuar despesas - assim como teriam que gastar para retirar água de um lago público. O fato de que possa haver custos significativos associados à transmissão de conhecimento não afeta em nada a natureza de bem público do conhecimento: provedores privados podem assegurar a "transmissão" por uma taxa que reflita o custo marginal da transmissão, enquanto, ao mesmo tempo, o bem em si pode manter-se gratuito. (1999)"
Evidentemente que por si o mercado não vai criar esse tipo de sistema. Os mercados requerem lucros e isso pode relegar importantes oportunidades e deveres de ensino.
As ciências básicas e as humanidades, por exemplo, são essenciais para o desenvolvimento nacional, mas seguramente recebem recursos insuficientes, a menos que os líderes educacionais, os que contam com recursos para pôr em prática suas visões, promovam-nas ativamente.
É necessário que os governos desempenhem um novo papel como supervisores da educação superior, mais que como gestores.
Deveriam concentrar-se em estabelecer os parâmetros dentro dos quais se possa alcançar o êxito, enquanto permitem que as soluções específicas aflorem das mentes criativas dos profissionais da educação superior.
Jamais como hoje a universidade foi pensada como parte da economia.
Jamais como hoje o conhecimento, a ciência e a tecnologia foram tão valorizados como mercadoria capital a ser apropriada hegemonicamente pelas grandes corporações globalizadas e no interesse dos países centrais.
Se o diagnóstico neoliberal aponta a falta de competitividade como a grande fragilidade da economia, na crise do Estado do Bem-Estar, é essa característica-chave da empresa econômica e do mercado que, aos poucos, vai se implantando na universidade e tornando-se constitutiva de sua identidade.
A idéia de uma universidade organizada e gerida nos moldes empresariais, trabalhando com uma semimercadoria no quase-mercado educacional está cada vez mais presente no discurso e nas práticas oficiais das políticas públicas de educação superior.
Trechos do Artigo- Universidade pública estatal: entre o público e privado/mercantil-Valdemar Sguissardi