A dimensão do inconsciente deve ser evocada num registro que não é nada de irreal, nem de desreal, mas de não-realizado.
Tropeço, desfalecimento, rachadura.
Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela.
Ali, alguma coisa se realiza- algo que aparece como intencional, certamente, mas de uma estranha temporalidade.
Ora, esse achado, uma vez que ele se reapresenta, é um reachado, e mais ainda, sempre está prestes a escapar de novo, instaurando a dimensão de perda.
........................................................................................
O que o sujeito mais teme é nos enganar, nos colocar numa pista falsa ou, mais simplesmente, que nós nos enganemos, pois, antes de mais nada, é bem claro, vendo nossa cara, que nós somos pessoas que podemos nos enganar como todo mundo.
Com efeito, como não haveria a verdade da mentira? - essa verdade que se torna perfeitamente possível,
contrariamente ao pretenso paradoxo, que eu afirme- Minto.
........................................................................................
O sitema de realidade, por mais que se desenvolva, deixa prisioneira das redes do princípio do prazer uma parte essencial do que é, no entanto, e muito bem, da ordem do real.
........................................................................................
A repetição demanda o novo.
Ela se volta para o lúdico que faz, desse novo, sua dimensão.
Tudo que, na repetição, varia, modula, é apenas alienação de seu sentido.
O adulto, se não a criança mais desenvolvida, exige em suas atividades, no jogo, a novidade.
Mas este deslizamento vela aquilo que é o verdadeiro segredo do lúdico, isto é, a diversidade mais radical que constitui a repetição em si mesma.
........................................................................................
Os fenomenólogos puderam articular com precisão, e da maneira mais confundidora, que é inteiramente claro que vejo fora,
que a percepção não está em mim, que ela está sobre os objetos que apreende.
E, no entanto, percebo o mundo numa percepção que parece depender da imanência do vejo-me ver-me.
O privilégio do sujeito parece estabelecer-se aqui por essa relação reflexiva bipolar que faz com que, uma vez que percebo, minhas representações me pertencem.
Como negar que nada do mundo me aparece senão em minhas representações?
........................................................................................
No que estou sob o olhar, escreve Sartre, não vejo mais o olho que me olha, e se vejo esse olho, é então esse olhar que desaparece.
O olhar se vê- precisamente esse olhar de que fala Sartre, esse olhar que me surpreende, e me reduz a alguma vergonha, pois é esse sentimento que ele esboça como o mais acentuado.
Esse olhar que encontro de modo algum é o olhar visto, mas um olhar imaginado por mim no campo do Outro.
........................................................................................
Apelar para uma parte sã do sujeito, que estaria lá no real, apta a julgar com o analista o que se passa na transferência, que é ela que fecha a porta, ou a janela, como quiserem- e que a bela com quem queremos falar está lá detrás, que só pede para reabri-los.
Não farei mais do que indicar aqui a reversão que comporta esse esquema em relação ao modelo que se tem dentro da cabeça.
Digo em algum lugar que, o inconsciente é o discurso do Outro.
Ora, o discurso do Outro, que se trata de realizar, o do inconsciente, ele não está do lado de lá do fechamento, ele está do lado de fora.
........................................................................................
Mas confessem que se há domínio em que, no discurso, a tapeação tem em algum lugar a chance de ter sucesso, é certamente no amor que encontramos seu modelo.
Que maneira melhor de se garantir, sobre o ponto em que nos enganamos, do que persuadir o outro da verdade do que lhe adiantamos!
Ao persuadir o outro de que ele tem o que nos pode completar, nós nos garantimos de poder continuar a desconhecer precisamente aquilo que nos falta.
........................................................................................
O que é que pode, no final das contas, levar o paciente a recorrer ao analista para lhe pedir algo que ele chama de saúde, quando seu sintoma- a teoria nos diz isto- é feito para lhe trazer certas satisfações?
........................................................................................
O desejo se situa na dependência da demanda- a qual, por se articular em significantes, deixa um resto metonímio que corre debaixo dela, elemento que não é indeterminado, que é uma condição ao mesmo tempo absoluta e impegável, elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível desconhecido, elemento que se chama desejo.
........................................................................................
O desejo do homem é o desejo do Outro.
........................................................................................
É claro que aqueles com quem temos que tratar, os pacientes, não se satisfazem, como se diz, com o que são.
E, no entanto, sabemos que tudo o que eles são, tudo o que eles vivem, mesmo seus sintomas, depende da satisfação.
Eles satisfazem algo que vai sem dúvida ao encontro daquilo com o que eles poderiam satisfazer-se, ou, talvez melhor, eles dão satisfação a alguma coisa.
Eles não se contentam com o seu estado, mas, estando nesse estado tão pouco contentador, eles se contentam assi mesmo.
Toda a questão é justamente saber o que é esse se que está aí contentado.
Nós sabemos que as formas de arranjo que existem entre o que funciona bem e o que funciona mal constituem uma série contínua.
O que temos diante de nós, em análise, é um sistema onde tudo se arranja, e que atinge o seu tipo próprio de satisfação.
Se nós nos metemos com isto, é na medida em que pensamos que há outras vias, mais curtas, por exemplo.
........................................................................................
Este método nos levaria aqui à questão sobre o possível, e o impossível não é forçosamente o contrário do possível, ou, bem ainda,
porque o oposto do possível é seguramente o real,
seremos levados a definir o real como impossível.
Em Freud, é desta forma que aparece o real, a saber, o obstáculo ao princípio do prazer.
O real é o choque, é o fato de que isso não se arranja imediatamente, como quer a mão que se estende para os objetos exteriores.
........................................................................................
Mesmo que vocês ingurgitem a boca- essa boca que se abre no registro da pulsão- não é pelo alimento que ela se satisfaz, é como se diz, pelo prazer da boca.
O objeto da pulsão, como é preciso concebê-lo, para que possa dizer que, na pulsão, qualquer que ela seja, ele é indiferente?
O sujeito se aperceberá de que seu desejo é apenas vão contorno da pesca, do fisgamento do gozo do outro.
A fantasia é a sustentação do desejo, não é o objeto que é a sustentação do desejo.
O sujeito se sustenta como desejante em relação a um conjunto significante cada vez bem mais complexo.
Isto se vê bem na forma de enredo que esse conjunto toma, onde o sujeito, mais ou menos reconhecível, está em algum lugar, esquizado, dividido, habitualmente duplo, em sua relação a esse objeto que o mais freqüentemente não mostra mais seu verdadeiro rosto.
........................................................................................
O que se olha é aquilo que não se pode ver.
........................................................................................
Que haja um real, isto não é absolutamente duvidoso.
Que o sujeito só tenha relação construtiva com esse real na dependência estreita do princípio do prazer, do princípio do prazer não acossado pela pulsão, aí está- veremos da próxima vez- o ponto de emergência do objeto do amor.
Toda questão é saber como esse objeto de amor pode vir a preencher um papel análogo ao objeto do desejo- sobre que equívocos repousa a possibilidade para o objeto de se tornar objeto de desejo.
........................................................................................
Pelo efeito da fala, o sujeito se realiza sempre no Outro, mas ele aí já não persegue mais que uma metade de si mesmo.
Ele só achará seu desejo sempre mais dividido, pulverizado, na destacável metonímia da fala.
O efeito da linguagem está o tempo todo misturado com o fato, que é o fundo da experiência analítica, de que o sujeito só é sujeito por ser assujeitamento ao campo do Outro.
É por isso que ele precisa sair disso, tirar-se disso, no fim ele saberá que o Outro real tem, tanto quanto ele, que se safar disso.
É mesmo aí que se impõe a necessidade de boa fé, fundada na certeza de que a mesma implicação da dificuldade em relação às vias do desejo existe também no outro.
........................................................................................
Antes de marcar suas conseqüências, queria simplesmente fazê-los notar o caráter clássico dessa concepção de amor, querer seu bem para si.
........................................................................................
Ora o que é um significante? Eu matraqueio há muito tempo para vocês, um significante é aquilo que representa um sujeito, para quem?- não para outro sujeito, mas para outro significante. Para ilustrar, sumponham que vocês descobrissem num deserto uma pedra coberta de hieróglifos. Vocês não duvidam nem por um instante que tenha havido um sujeito por trás para inscrevê-los. Mas acreditar que cada significante se dirige a vocês, é um erro- a prova está em que vocês podem nada entender daquilo.
O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer.
E eu disse- é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente à pulsão.
........................................................................................
A sexualidade se instaura no campo do sujeito por uma via que é a da falta.
Pelo fato de que o sujeito depende do significante e de que o significante está primeiro no campo do Outro.
........................................................................................
A criança, nesse famoso discurso que podemos registrar num gravador, não fala para si, como dizem.
Sem dúvida, ela não se dirige a outro, se utilizarmos aqui a repartição teórica que se nos deduz da função do eu e do tu.
Uma falta é, pelo sujeito, encontrada no Outro, na intimação mesma que lhe faz o Outro por seu discurso.
Nos intervalos do discurso do Outro, surge na experiência da criança, o seguinte, que é radicalmente destacável- ele me diz isso, mas é o que ele quer?
Nesse intervalo cortando os significantes, que faz parte da estrutura mesma do significante, está a morada do que, em outros registros de meu desenvolvimento, chamei de metonímia.
É de lá que se inclina, é lá que desliza, é lá que foge como furão, o que chamamos desejo.
O desejo do Outro é apreendido pelo sujeito naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro e todos os por-quês?
Da criança testemunham menos de uma avidez da razão das coisas do que constituem uma colocação em prova do adulto, um por que será que você me diz isso?
Sempre re-sucitado de seu fundo, que é o enigma do desejo do adulto.
........................................................................................
Mas o que pode significar não querer desejar? Não querer desejar é querer não desejar.
Se é só no nível do desejo do Outro que o homem pode reconhecer seu desejo, e enquanto desejo do Outro, não está aí algo que lhe deve parecer fazer obstáculo a seu desmaio, que é um ponto em que seu desejo jamais pode reconhecer-se?
E o que não é nem levantado nem a ser levantado, pois a experiência analítica nos mostra que é de ver funcionar toda uma cadeia no nível do desejo do Outro que o desejo do sujeito se constitui.
........................................................................................
O ponto de vista do ideal do eu é o de onde o sujeito se verá, como se diz- como visto pelo outro- o que lhe permitirá suportar-se numa situação dual para eles satisfatória do ponto de vista do amor.
Enquanto miragem especular, o amor tem essência de tapeação.
Ele se situa no campo instituído no nível da referência do prazer, desse único significante necessário para introduzir uma perspectiva centrada no ponto ideal, I maiúsculo, colocado em algum lugar do Outro, de onde o Outro me vê, na forma em que me agrada ser visto.
Mas o que é que o sujeito pede?
Aí está toda a questão, pois o sujeito bem sabe que, quaisquer que sejam seus apetites, quaisquer que sejam suas necessidades, nenhum encontrará satisfação ali, senão, no máximo, a de organizar seu menu.
........................................................................................
Lacan- O Seminário- Os Quatro Conceitos Fundamentais de Psicanálise.