terça-feira, janeiro 27, 2009

Estreitamentozinho

E, depois, percebi que o que constituía meu caminhar era da ordem do não quero saber de nada disso.

O útil, serve para quê?

É o que não foi jamais bem definido, por razão do respeito prodigioso que, pelo fato da linguagem, o ser falante tem pelo que é um meio.

O que é gozo?
Aqui ele se reduz a ser apenas uma instância negativa.
O gozo é aquilo que não serve para nada.

Aí eu aponto a reserva que implica o campo do direito-ao-gozo.
O direito não é o dever. Nada força ninguém a gozar, senão o superego.
O superego é o imperativo do gozo- Goza!

O gozo- gozo do corpo do Outro- resta, ele, uma questão, porque a resposta que ele pode constituir não é necessária.
Isto vai mesmo mais longe. Não é nem mesmo uma resposta suficiente, porque o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo.
Ele o demanda... mais... mais... ainda.
Mais, ainda, é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda do amor.

Como o sublinha admiravelmente essa forma de kantiano que era Sade, só se pode gozar de uma parte do corpo do Outro.
É por isso que somos reduzidos a um estreitamentozinho assim, a tomarmos um antebraço, ou não importa o quê- puxa!

Gozar tem esta propriedade fundamental de ser em suma o corpo de um que goza de uma parte do corpo do Outro.
Mas esta parte também goza- aquilo agrada ao Outro mais, ou menos, mas é fato que ele não pode ficar indiferente.

O que dá alguma chance ao que avanço, isto é, que, desse gozo, a mulher nada sabe, é que há tempos que lhes suplicamos, que lhes suplicamos de joelho que tentem nos dizer, pois bem, nem uma palavra!
Nunca se pôde tirar nada.
Então a gente o chama como pode, esse gozo, vaginal, fala-se do pólo posterior do bico do útero e outras babaquices, é o caso de dizer.
Se simplesmente ela o experimentava, ela não sabia nada dele, o que permitia lançar muitas dúvidas para o lado da famosa frigidez.

- Eu lhe peço que você recuse o que lhe ofereço porque não é isso. –

Não é isso- aí está o grito por onde se distingue o gozo obtido do gozo esperado.
É onde se especifica o que se pode dizer na linguagem.
A negação tem toda a aparência de vir daí. Nada mais, porém.

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Que haja algo que funda o ser, certamente que é o corpo.

Muito bem, são traços apenas.
O ser do corpo certamente que é sexuado, mas é secundário, como se diz.
E como a experiência demonstra, não é desses traços que depende o gozo do corpo, no que ele simboliza o Outro.

Gozar de um corpo, quando ele está sem as roupas,
deixa intata a questão do que faz o Um,
quer dizer, a da identificação.
O mesmo acontece com tudo o que diz respeito ao amor.
O hábito ama o monge, porque é por isso que eles são apenas um.
Dito de outro modo, o que há sob o hábito, e que chamamos de corpo, talvez seja apenas esse resto que chamo de objeto a.
O que faz agüentar-se a imagem, é um resto.

Com efeito, a lógica, a coerência inscrita no fato de existir a linguagem e de que ela está fora dos corpos que por ela são agitados, em suma,
o Outro que se encarna, se assim se pode dizer, como ser sexuado, exige esse uma a uma.

Vocês não vêem que o essencial no mito feminino de Don Juan é que ele as tem uma a uma?

Das mulheres, a partir do momento em que há os nomes, pode-se fazer uma lista, e contá-las.
Se há mille e ter é mesmo porque podemos tomá-las uma a uma, o que é essencial.
E é uma coisa completamente diferente do Um da fusão universal.

Um, posto antes do termo e com uso de artigo indeterminado.
Ele já supõe que o significante pode ser coletivizado, que se pode fazer uma coleção, falar dele como de algo que se totaliza.

Esse Há Um não é simples, é o caso de dizer.
Na psicanálise, mais exatamente no discurso de Freud, isto se anuncia pelo Eros que, de grão em grão, é suposto tender a fazer só um dessa multidão imensa.
Mas, como é claro que mesmo todos vocês, tanto que vocês estão aqui, multidão seguramente, não só não fazem um, mas não têm a menor chance de chegar a isto- como se demonstra demais, e todos os dias, ainda que fosse só em comungar na minha fala-
é mesmo preciso que Freud faça surgir um outro fator para fazer obstáculo a esse Eros universal, na forma do Tanatos, a redução à poeira.

Pois é claro que o Outro não se adiciona ao Um.
O Outro apenas se diferencia.

Se há algo pelo que ele participa do Um, não é por adicioná-lo a si.
Pois o Outro- como já disse, mas não há garantia de que vocês tenham ouvido-
é o Um-a-menos.

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A análise demonstra que o amor, em sua essência, é narcísico, e denuncia que a substância do pretenso objetal- papo furado- é de fato o que, no desejo, é resto, isto é, sua causa, e esteio de sua insatisfação, se não de sua impossibilidade.

O que eu digo do amor é certamente que não se pode falar dele.
Fala-me de amor- cançãozinha!
Eu falei da letra, da carta de amor, da declaração de amor, o que não é a mesma coisa que a fala de amor.

Não é outra coisa que eu digo quando digo que o amor é o signo de que trocamos de discurso.

O começo da sabedoria deveria ser começar a perceber que é nisso que o velho pai Freud rompeu os caminhos.
Foi daí que parti, pois isto, a mim mesmo, me tocou um pouquinho. Aliás, poderia tocar qualquer um, não é?,
ao perceber que o amor, se é verdade que ele tem relação com o Um, não faz ninguém sair de si mesmo.
Se é isto, só isto, nada mais do que isto, que Freud disse ao introduzir a função do amor narcísico, todo mundo sente, sentiu,
que o problema é de como é que pode haver um amor por um outro.

Falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico.
O que em discurso analítico nos traz- e é esta talvez, no fim de tudo, a razão de sua emergência num certo ponto do discurso científico- é que falar de amor é, em si mesmo, um gozo.

Penso em vocês. Isto não quer dizer que penso vocês.
Alguém aqui talvez se lembre do que falei sobre uma língua na qual se diria- amo em vocês, no que ela se modelaria, melhor do que outras, sobre o caráter indireto desse ataque que se chama o amor.

Lacan- O Seminário- Mais, Ainda.