segunda-feira, janeiro 26, 2009

Sem sujeito...

A esse processo metonímico chama-se desejo.
Por estar ao nível do significante, o desejo é sempre da ordem do recalcado, ou seja, é um processo inconsciente.
Ele jamais se presentifica, por definição, em objetos concretos: é intransitivo.
O desejo de algo, transitivo, chama-se demanda.

Desejo que não é desejo transitivo, de algo concreto,
mas desejo de continuar desejando, de seguir lamelando,
encontrando e desencontrando, encontrando o desencontro e desencontrando a unitária definição.

A linguagem é pura exterioridade, o campo da outridade, do Outro.
O que isso quer dizer?
Que o desejo é o desejo do Outro: o campo do desejo remete sempre ao campo da linguagem, à alteridade, ao significante mais além.
Nesse sentido, o inconsciente não é um lugar no cérebro, não se localiza embaixo da pele, mas no nível das palavras.

Nós os qualificamos de objeto perdido.
Mas esse objeto, em suma, nunca foi perdido, apesar de tratar-se essencialmente de reencontrá-lo.
Entretanto não é o objeto perdido que buscamos, mas suas 'coordenadas de prazer'.

"É nesse estado de ansiar por ele e de esperá-lo que será buscada, em nome do príncipio do prazer, a tensão ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço" (Lacan, 1986).

O neurótico espera sempre que um Outro venha resolver a sua questão.
O Outro é buscado pelo neurótico como encarnado, como tendo cara, corpo e vontade.

Ninguém ocupa o lugar do Outro, já que o Outro é a linguagem.
Acontece que o neurótico constitui um Outro encarnado,
para quem ele entrega seus atos e atribui a culpa pelo que lhe acontece de mal ou pelo que não lhe acontece de bom.

Essa posição que o analista ocupa frente ao neurótico não é o do médico que cura, mas do calado que escuta.
Para que ele escuta?
Para entender o que lhe pede o neurótico, ou seja, construir quem é esse Outro encarnado procurado pelo falante.

Fazer constituir o Outro-do-neurótico, ou seja, dar-lhe consistência, dar contornos, trazê-lo a tona, é a tarefa da análise.
A pergunta é: O que o Outro deseja de mim?

Em outras palavras, a análise apresenta um trabalho inicial no nível do significante, mas, uma vez reduzida a ansiosa procura dos significantes que o neurótico escolhe para representá-lo, é preciso passar à fase de extração (ou redução) do gozo investido no fantasma.

O neurótico sofre como se sua dor lhe fosse imposta pelo destino, por um Outro.
Seu sofrimento é sem sujeito.

O fantasma é a resposta ao desejo do Outro, é o modo inconsciente pelo qual respondeu a tudo o que o angustiava como vindo do Outro.

Na histeria, o falante identifica-se com a falha ou a falta do Outro.
Manter a falta no Outro-encarnado, colocando-se como o próprio signo indicador dessa falta, livra o histérico de enfrentar a própria falta e, portanto, encarar a dimensão do desejo.

Na obsessão, mantem-se a figura encarnada de um Outro completo, exigente, jamais satisfeito, exigindo que as coisas sejam sempre reelaboradas com mais dedicação, permite que o obsessivo eseja sempre ocupado em atender o chamado desse Outro desagradável, não se ocupando de sua própria falta.
O obsessivo põe-se assim, a todo instante, a matar o desejo do outro.

..

O eu se forma a partir da imagem do outro, processo que ocorre antes que a criança se veja como uma unidade.
Essa unificação do eu vem justamente a partir da imagem do outro.
Esse processo é chamado por Lacan de estádio do espelho.
A imagem unificada dá-se antecipada à própria capacidade motora da criança.
Esta adquire uma imagem ideal, à qual nunca estará unida.
O eu liga-se, em Lacan, a esse processo narcísico do imaginário humano, em que se dá um desconhecimento: o eu não reconhece o que está em si, senão olhando para fora, para o outro.
Essa imagem narcísica constitui em Lacan uma das condições do aparecimento do desejo.

A palavra em Lacan recebe o caráter primordial do significante.
E significante não tem dicionário.
O significado é efeito do significante.
O real é o que falta simbolizar.
O mundo simbólico não é um mundo, é uma rede de significanres que tromba com o real, que não dá garantias.

Freud apresenta um organismo feito não para satisfazer a necessidade, mas para aluciná-la- é o nível do prazer.

A linguagem não deve ser considerada como uma superestrutura que viria a se depositar sobre o ser, sobre o real, mas é ela que o modela e o determina.

O real, o não simbolizado, que tem efeitos no simbolizado, é o novo na repetição significante, é o que salta, de surpresa, é a diferença na repetição dentro da cadeia significante, o novo na realidade que anuncia a prova do sujeito.

Por que repete aquele que repete?
Lacan fala em singar do sujeito "o qual puxa sempre o seu trem por um caminho de onde não pode sair".

O sujeito não é inteiriço, nucleado, centrado, ele é dividido pelo significante.
O sujeito é um advento.
O sujeito não é aquele que pensa.
O sujeito surge quando o falante aceita entrar no jogo da associação livre, a dizer inclusive o que considere 'besteira'.

Nos viramos com o furo como podemos.
A realidade psíquica, revestida pelos fantasmas, é nosso modo corporal de contornar e tratar, sem sucesso, o real.

Não se trata de formar pessoas que se conheçam mas de formar pessoas que saibam que jamais se conhecerão.

Brecha na Comunicação: Habermas, o Outro, Lacan.
José Luiz Aidar Prado.