segunda-feira, janeiro 19, 2009

Divirta-se!

O trabalho que é completamente separado do elemento lúdico torna-se insípido e monotóno, uma tendência que é consumada pela quantificação completa do trabalho industrial.
O prazer, quando igualmente isolado do conteúdo "sério" da vida, torna-se bobo, sem sentido, reduz-se completamente ao "entretenimento" e, em última instância, é apenas um mero meio de reproduzir a capacidade de trabalho do indivíduo.

Quanto mais as pessoas são gradualmente transformadas em coisas, mais investem as coisas com uma aura humana.
Ao mesmo tempo, a libidinização das bugigangas é inteiramente narcísica, na medida em que alimenta o controle da natureza pelo ego: esses aparelhos proporcionam ao sujeito lembranças de sentimentos primitivos de onipotência.

No que diz respeito ao prazer, de acordo com a abordagem bifásica, ele é principalmente restrito à parte da tarde e aos feriados, como se houvesse um entendimento a priori entre as revelações celestiais e o sistema de calendário atual.

Por outro lado, o colunista conhece os sentimentos de culpa freqüentemente induzidos pelo prazer.
Eles podem ser amenizados fazendo que o leitor entenda que alguns prazeres são permissíveis porquanto uma "liberação" esteja envolvida, ou seja- conforme a psicologia popular já aprendeu-
ele se tornaria uma pessoa neurótica se não se permitisse algumas gratificações e, sobretudo, porque há muitos prazeres que satisfazem imediata e diretamente algum propósito economicamente vantajoso.
Uma vez que esse conceito de prazer submetido ao dever é contraditório em si mesmo, manifestam-se novas extravagâncias que lançam luz sobre a coluna como um todo.

Encontra-se, sobretudo, o conselho monotamente reiterado: "seja feliz".
Obviamente, esse conselho visa encorajar o leitor a superar o que, na psicologia popular, é conhecido como "inibição". Mesmo aquilo que é espontâneo e involuntário é transformando em uma parte da arbitrariedade e do controle.

O sujeito é forçado a se divertir de modo a se ajustar, ou, pelo menos, de modo a transmitir aos outros a imagem de alguém ajustado, pois apenas as pessoas ajustadas são aceitas como normais e podem ter sucesso.

Esse aspecto de externalização universal aproxima-se do que Wolfenstein e Leites chamaram de "moralidade da diversão"(fun morality): "Você tem de se divertir" (goste ou não).

Exigências instituais são liberadas de seu aspecto ameaçador porque são tratadas como deveres a ser cumpridos.
Ao mesmo tempo, entretanto, estende-se a censuta.
A própria sexualidade é dessexualizada ao se tornar "divertida"- uma espécie de higiene. Ela perde não apenas seu impacto ameaçador e estranho ao ego, mas também sua intensidade, seu "sabor".

Pode-se suspeitar que o colunista e seus leitores saibam, no fundo, que os prazeres que lhe são ordenados não são mais prazeres, mas sim deveres racionalizados como tais, e que essa racionalização contém mais verdade do que o desejo supostamente inconsciente.
Em outras palavras, cada vez mais as atividades do tempo livre, que oficialmente servem ao propósito da diversão ou do relaxamento, são capturadas pelo interesse racional e realizadas não mais porque alguém de fato gosta delas, mas porque são uma exigência de abrir caminhos ou manter o status.


Mesmo quando o leitor está autorizado a afastar-se da rotina de sua vida, é preciso assegura-se que tal insurreição acabe levando-o a alguma repetição da mesma rotina da qual ele quer fugir.

Independente do fato de que, segundo certos aspectos, o indivíduo pode ser considerado "mais livre" hoje do que em épocas anteriores, a "captura" do indivíduo por inumeráveis canais de organização certamente aumentou.
Ilustração suficiente disso é que a dicotomia tradicional entre trabalho e lazer tende a tornar-se cada vez mais reduzida, e que as "ativididades de lazer" socialmente controladas cada vez mais tomam conta do tempo livre do indivíduo.

As Estrelas Descem À Terra
A Coluna de Astrologia do Los Angeles Times
Um Estudo Sobre Superstição Secundária.
Theodor W. Adorno