terça-feira, janeiro 27, 2009

Mais, ainda...

Seguramente ele chega mais perto, pois, nos outros discursos, a besteira é aquilo de que a gente foge.
Os discursos visam sempre à menor besteira, à besteira sublime,
pois sublime quer dizer o ponto mais elevado do que está em baixo.
Onde está, no discurso analítico, o sublime da besteira?

Confio em vocês para lhes lembrar o que ensina o discurso analítico sobre a velha ligação com a nutriz, mãe ainda por cima, como se, por acaso, tendo, por trás, a história infernal de seu desejo e tudo aquilo que vem em seguida.

- Que se diga fica esquecido por trás do que se diz no que se ouve -.
No entanto, é pelas conseqüências do dito que se julga o dizer.

Mas o que se faz do dito resta aberto.
Pois pode-se fazer dele uma porção de coisas,
Tal como se faz, com algum móvel, quando se carrega uma cadeira ou um canhão.

O sujeito não é aquele que pensa.
O sujeito é, propriamente, aquele que engajamos, não, não, como dizemos a ele para encantá-lo, a dizer tudo- não se pode dizer tudo- mas a dizer besteiras, isso é tudo.

É com essas besteiras que vamos fazer a análise, e que entramos no novo sujeito que é o do inconsciente.

É justamente na medida em que ele não quer mesmo mais pensar, o homenzinho, que se saberá talvez um pouco mais dele, que se tirará algumas conseqüências dos ditos-
ditos que não podemos nos desdizer, é a regra do jogo.

Isto supõe que desenvolvamos esta dimensão, o que não se pode fazer sem dizê-la.
O quê que é a dimensão da besteira? A besteira, pelo menos esta que se pode proferir, não vai muito longe.
No discurso corrente, seu circuito é curto.

O que, com efeito, constitui o fundo da vida, é que, para tudo que diz respeito à relação entre os homens e as mulheres, o que chamamos de coletividade, a coisa não vai.
A coisa não vai, e todo mundo fala disto, e uma grande parte de nossa atividade se passa a dizer isto.
O que não impede que não haja nada de sério se não for o que se ordena de outra maneira como discurso.
Até isto inclusive, que essa relação, essa relação sexual, na medida em que a coisa não vai, ela vai assim mesmo-
graças a um certo número de convenções, de interdições, de inibições, que são efeitos da linguagem e só devem tomar como deste estofo e deste registro.

Não há a mínima realidade pré-discursiva, pela simples razão de que o que faz coletividade, e que chamei de os homens, as mulheres e s crianças,
isto não quer dizer nada como realidade pré-discursiva.
Os homens, as mulheres, as crianças, não são mais que significantes.

O significado não é aquilo que se ouve.
O que se ouve é significante.
O significado é efeito do significante.

O escrito, não é algo para ser compreendido.
É mesmo por isso que vocês não são forçados a compreender os meus.
Se vocês não os compreendem, tanto melhor, isto lhes dará justamente oportunidade para explicá-los.

O que há de bom, não é?, no que lhes conto, é que é sempre a mesma coisa.
Não que eu me repita, não é esta a questão.
É que, o que eu digo anteriormente ganha sentido depois.

O Outro deve, por um lado, ser novamente martelado, espedaçado, para que tome seu pleno sentido, sua ressonância completa.
Por outro lado, convém colocá-lo como termo que se baseia no fato de que sou eu que falo, que só posso falar de onde estou, identificado a um puro significante.

O que resta no centro é essa boa rotina que faz com que o significado guarde, no fim das contas, sempre o mesmo sentido.
Este sentido é dado pelo sentimento, que cada um tem, de fazer parte de seu mundo, quer dizer, de sua familiazinha e de tudo que gira ao redor.

Mas, será que não se poderia dar que a linguagem tivesse outros efeitos além de levar as pessoas pela coleira a se reproduzirem em corpo ainda, em corpo a corpo mais e mais ainda, e em corpo encarnado, ainda?

Vocês vêem que, ao conservar ainda esse como, me apego à ordem do que coloco quando digo que o inconsciente é estruturado como uma linguagem.
Eu digo como para não dizer, sempre retorno a isto, que o inconsciente é estruturado por uma linguagem.

O sujeito não é outra coisa- quer ele tenha ou não consciência de que significante ele é efeito- senão o que desliza numa cadeia de significantes.
Este efeito, o sujeito, é o efeito intermediário entre o que caracteriza um significante e outro significante, isto é, ser cada um, ser cada qual, um elemento.

No amor, o que se visa, é o sujeito, o sujeito como tal, enquanto suposto a uma frase articulada, a algo que se ordena ou pode se ordenar por uma vida inteira.

A cultura enquanto distinta da sociedade, isto não existe. A cultura é, justamente, que aquilo nos pega.
Só a temos agora em nossas costas, como pulgas, porque não sabemos o que fazer com elas, se não catá-las.
Quanto a mim, aconselho que vocês as guardem, porque aquilo futuca, e desperta.
E despertará os sentimentos de vocês, que tendem mais a se tornarem um pouco embrutecido sob a influência das circunstâncias ambientes, quer dizer, daquilo que os outros, que virão depois, chamarão de cultura de vocês.

A realidade é abordada com os aparelhos do gozo.
Aí está mais uma fórmula que lhes proponho, se é que podemos convir que, aparelho, não há outro senão a linguagem.
É assim que, no ser falante, o gozo é aparelhado.

Quanto a mim, jamais olhei um bebê tendo o sentimento de que não houvesse, para ele, mundo exterior.
É absolutamente manifesto que ele só olha para aquilo, e que aquilo o excita, e isto, meu Deus, na exata proporção em que ele ainda não fala.
A partir do momento em que ele fala, a partir desse momento, muito exatamente, não antes, compreendo que há recalque.

E é dali somente que surge a psicanálise, isto é, a objetivação do fato de que o ser falante passa ainda o tempo a falar em pura perda.

É a eterna ambigüidade do termo inconsciente.
Certamente, o inconsciente é suposto pelo fato de que no ser falante há em algum lugar algo que sabe mais do que ele,
mas isto não é um modelo aceitável do mundo.

Será que o Outro sabe?

A análise veio nos anunciar que há saber que não se sabe,
um saber que se baseia no significante como tal.
Um sonho, isso não introduz a nenhuma experiência insondável, a nenhuma mística, isso se lê do que dele se diz,
e que poderá ir mais longe ao tomar seus equívocos no sentido mais anagramático do termo.

Será preciso dar toda essa volta para colocar a questão do saber na forma: quem é que sabe?
Será que a gente se dá conta de que é o Outro?-
tal como de começo o coloquei, como o lugar onde o significante se coloca, e sem o qual nada nos indica que haja em parte alguma dimensão de verdade,
uma diz-mansão, a residência do dito, desse dito cujo saber põe o Outro como lugar.

O estatuto do saber implica, como tal, que já há saber e no Outro, e que ele é a prender, a ser tomado.
É por isso que ele é feito de aprender.

O sujeito resulta de que ele deve ser aprendido, esse saber, e mesmo ser apreciado, posto a preço, quer dizer, que é o seu custo que o avalia, não como de troca, mas como de uso.
O saber vale justo quanto ele custa, ele é custoso, ou gustoso, pelo que é preciso, para tê-lo, empenhar a própria pele, pois que ele é difícil, difícil de quê?- menos de adquiri-lo do que de gozar dele.

Estamos no tempo de supermarkets então temos que saber o que somos capazes de produzir, mesmo em matéria de ser.

No quê?
É uma das coisas essenciais que eu disse da última vez- a análise se distingue, entre tudo que foi produzido até agora de discurso, por enunciar isto, que constitui o osso do meu ensino:
que eu falo sem saber.
Falo com o meu corpo, e isto, sem saber.
Digo, portanto, sempre mais do que sei.

Lacan- O Seminário- Mais, ainda.